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Soneto da alma trancada

Da sua partida fiquei com um bolo na garganta Desses que de tão grande, a alma tranca E fica sem respirar Mais um pra eu abafar Vamos nos distanciar. Não há como negar A presença, os olhares, a voz E tudo aquilo que não fomos. Jamais seremos "nós" Cada um pro seu lado, fico com  uma questão de incômodo, uma herança de desesperança E se tivéssemos ido em frente? E se não nos importássemos com mais nada, a não ser a gente? E se tivéssemos arriscado tudo? Por vezes me arrependo de abrir minhas portas O final é sempre o mesmo, mas a dor vira saudade Vou dando meu jeito, me encaixando, me virando, sem pranto, me reorganizando

Onde você mora?

Eu queria mesmo é saber onde você mora.  Não falo de endereço físico e você sabe disso.  Queria saber onde você se tranca toda vez que está com o olhar perdido. Queria saber pra onde você vai toda vez que bota o fone de ouvido.  Imagino mil coisas, imagino labirintos. Paredes largas e grossas, ruas estreitas. Tudo debaixo do sol forte que mostra o castanho dos teus olhos.  Queria o endereço, mas será que consigo?  Só queria um fim de tarde em que você me explicasse onde se esconde quando o sol não bate. E me descrevesse o lugar onde você bate a porta. O mesmo lugar onde quando está com raiva, tenta juntar os próprios pedaços pra continuar. Um café forte e um sofá. Cara a cara. Não direi nada. Eu só queria ouvir você falar.

Sobre rios e vozes

Enquanto todos à minha volta mergulhavam, eu, no máximo molhava os meus pés. Até o momento em que julguei que nem isso valeria o meu esforço e me recusei a por os pés na água. Às margens do rio ouvi palavras, cochichos que eu queria entender, cânticos que há muito não faziam parte de mim por terem sido removidos cirurgicamente. De tudo o que ou ouvi, a música tinha maior domínio sobre mim. Minha carne tremia, e , em espasmos, movimentos involuntários, acompanhava as batidas com as mãos, pés e cabeça. Não via mais ninguém do meu grupo, que perdeu pé do fundo e fluiu na correnteza.  A voz não era a do Criador, mas eu já a conhecia. Achava, erroneamente, que tinha se apartado de mim. Pelas minhas escolhas, pela minha nova identidade, por conhecer de onde vim e porque estou aqui. Tomamos rumos opostos, mas a voz sabe do que gosto.  Uma força que eu já julgava por conta própria ter extinto, dominado e extirpado, toma meu corpo como trepadeira. A voz que eu ouvia não era a do Cr

Parafusos na garganta e borboletas no estômago

Escrevo para não morrer sufocado. Escrevo para não ter a respiração bloqueada pelos parafusos que nascem no meu peito, tomam a corrente sanguínea e se alojam na minha garganta e estômago. Entre várias xícaras de café, vou avaliando possibilidades, dimensionando estragos, calculando tragédias, cogitando perdas que podem acontecer (e vão). Me sinto preso, me sinto um erro. Um retrato amarelo que quer ter cor, mas está há tanto tempo na moldura que pode simplesmente esfarelar se ousar sair. Me sinto ingrato, me sinto desgraçado. Pensamentos altos como de um adolescente, ciumento como um deles, ainda que com alguém que nem lhes pertença. A verdade é que ninguém pertence a ninguém e adolescentes são tão estúpidos! E quão maravilhoso isso é. Velho demais pra sair, comprometido demais para largar tudo. Estacionado. Como uma árvore em beira de rodovia, que acompanha o ir e vir, mas prisioneira. Sonho pra mim, guardo lá no fundo. Borboletas no estômago, como aos 15 anos de idade. M

Local de passagem

Sempre me achei deslocado, desnecessário. Às vezes desnecessário a mim mesmo.    Sempre fui oásis. Estou no meio do deserto e sempre ajudo alguém a ter descanso, recuperar forças e seguir em frente.      Nunca me senti casa e nunca fui abrigo. Talvez minhas dependências nem suportem o fardo de ser morada e eu não tenha colunas bem calculadas para evitar futuros desabamentos.    Grupos de amigos sempre seguiram bem sem mim. Grupinhos de escola também. Dos relacionamentos amorosos voláteis, a mesma situação. Na família também não é diferente.   Sou local de passagem, nunca local de destino. Nunca pleiteei uma mudança de status. Não acho digno pedir isso para alguém. Nunca achei.    Sigo com tarefas pela metade, sonhos que terminam no primeiro capítulo ou que, por insistência da minha parte, seguem com roteiros mortos e sem rumo, apenas para somar os capítulos e serem compilados. Afinal, preciso ter algo pra apresentar, nem que seja esse compilado sem apelo, que nã

Amores, paixões e fenômenos da natureza

x Não há sob nenhuma hipótese na vida de um homem ou mulher vivente, a possibilidade de que este vá concluir seus dias sem pesar e pensar amores e paixões.  Existem diferenças entre os dois, que em muitos casos possuem uma linha tênue que os separa, tal qual um fio de teia de aranha. Em muitos casos só percebemos que a teia está lá quando o sol bate e revela sua localização. Somos humanos, com raio de visão limitado, globos oculares posicionados na parte frontal do crânio. Definitivamente visão apurada não está entre os atributos do ser humano. A paixão é simples, mas com uma força descomunal. Tudo nela é muito bem amarrado. São somas e multiplicações que resultam nela, no melhor estilo expressão numérica, daqueles casos em que o resultado preenche duas folhas de resposta. Tudo aquilo que não estiver estruturado é levado por ela. Pegando carona em fenômenos da natureza, a paixão poderia ser comparada a um furacão ou enxurrada.  Tanto no furacão quanto na enxurrada, à primeira v